quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Saúde pública em foco

Fonte: UOL.

No Brasil, 12 mil escolas não têm esgoto sanitário, segundo o Censo Escolar de 2009. Isso corresponde a quase 8% das unidades e a cerca de 20 milhões de crianças. Além disso, em quase 20 mil escolas a água consumida pelos alunos não é filtrada e 800 não têm abastecimento de água. A maior parte do déficit de esgoto está na rede municipal, onde há mais de 10 mil unidades nessa situação - 6 mil delas no Nordeste.

O Maranhão concentra, sozinho, metade das escolas nordestinas sem esgoto: do total de 10.569 escolas de ensino fundamental naquele Estado, somente 70% têm acesso a rede de esgoto. Embora não possamos estabelecer relações diretas entre esses dados, o Estado também apresenta desempenho abaixo da média nacional no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): nota 3,9 nos primeiros anos do ensino fundamental e 3,6 nos anos finais - número ainda superior à média nordestina, 3,8 e 3,4, respectivamente, mas inferior ao restante do país, que é 4,6 e 4,0. O resultado da falta de saneamento, porém, pode ser ainda pior. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, além do menor rendimento escolar, estudantes de regiões sem saneamento matriculam-se menos nas escolas, ou seja, não chegam a participar dessas avaliações de desempenho.

As escolas do Acre e do Amazonas também têm índices muito ruins, mas sua população é bem menor que a do Maranhão. Os melhores índices estão nos Estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde quase todos os estabelecimentos de ensino fundamental possuem rede de esgoto. A falta de acesso a água filtrada é uma característica principalmente de Estados da região Sul. Pelos dados do Censo Escolar, a pior situação é a do Rio Grande do Sul: apenas 28% das escolas de ensino fundamental têm água filtrada, em um universo de 6.782 unidades.

Faltam investimentos em prevenção, apesar de ser conhecida a proporção entre os custos de saneamento e o dinheiro gasto em hospitais e tratamentos: para cada dólar investido em saneamento básico, outros cinco são economizados em despesas hospitalares, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A professora Anne Jardim Botelho, da Universidade Federal do Sergipe, pesquisou o impacto das parasitoses na atividade cognitiva e explica que, nas áreas endêmicas, não adianta dar remédio, porque há constante reinfecção.

O diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, Anthony Wong, lembra que o saneamento básico é fundamental para que substâncias químicas contaminantes não tenham acesso ao meio ambiente. Ou seja: a coleta de esgoto adequada não só melhora a saúde da população, mas pode nos poupar de um problema ecológico de proporções imensas. "Com informação adequada, a própria população poderia diminuir muito o problema."

A professora Maria Cecília Pelicioni, da Faculdade de Saúde Pública da USP, lembra ainda o caso das crianças que não puderam chegar à escola: a mortalidade infantil é um indicador diretamente ligado ao saneamento, decisivo para medir a saúde pública de determinado local. "Para revertê-la, mais do que ter médico e hospital, é importante que se faça em primeiro lugar o saneamento. Os outros fatores diminuem a mortalidade infantil de maneira muito menos eficaz."

Pesquisa
A pesquisa da Fundação Getulio Vargas, coordenada por Marcelo Neri, traz algumas conclusões sobre a conexão entre educação e saneamento básico. Entre elas a de que o acesso a esgoto melhora o rendimento escolar; a qualidade do uso caseiro da água tem relação positiva com o desempenho; e o acesso à infraestrutura sanitária reduz o índice de reprovação. O estudo não abordou uma conexão de causalidade direta, mas indicou uma correlação importante entre os problemas de saúde causados por falta de saneamento e o desempenho na escola.

Foram analisados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), relacionando o acesso à coleta de esgoto às três dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): saúde, educação e renda. "Os dados indicam que os efeitos no desempenho escolar podem ser imensos", afirma Marcelo Neri.

Um dos avanços foi relacionar a morbidade (quantidade de portadores de doença em relação a uma população total) ao saneamento, e não só à mortalidade. "Se os efeitos de mortalidade são tão grandes nessa faixa e passavam despercebidos, podemos imaginar que os efeitos da morbidade, muito maiores, passam igualmente despercebidos", raciocina.

Ele conta que o problema atinge mais os meninos - provavelmente porque eles brincam mais fora de casa. Mas a consequência da falta de acesso a esgoto não é o absenteísmo. As crianças sem saneamento apresentaram taxas mais baixas de matrícula e pior desempenho, mas muitas continuam indo às aulas. "Provavelmente porque estão entre as famílias mais pobres e a escola tem atrativos como a merenda e os incentivos de bolsas do governo", diz Neri. Mas elas têm o desempenho abaixo da média, porque possivelmente têm o quadro clínico típico das doenças associadas à falta de saneamento.

Público e privado
A pesquisa da FGV foi encomendada pelo Instituto Trata Brasil. É uma organização ligada ao setor privado, a algumas das principais empresas de saneamento do país, diretamente interessada (por motivos empresariais, portanto) na universalização das redes de água e esgoto no Brasil.

O fato de a Trata Brasil estar disponível para entrevistas, ao lado da universidade, é sintomático do que acontece no país em relação ao saneamento. Nem o Ministério da Educação (MEC) nem o Ministério das Cidades responderam à solicitação de entrevista da Escola Pública. Em texto enviado sobre o tema, o MEC diz que suas ações são trabalhadas "de forma articulada e sistêmica, em parceria com secretarias estaduais e municipais de Educação, universidades públicas, sociedade civil organizada e a comunidade local". O MEC admite que não houve até o momento um direcionamento "específico" das políticas de Educação Ambiental para a questão do saneamento na escola, mas é um tema "que pode ser abordado" nas conferências que realiza e na Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (Com-Vida), que visa implementar a Agenda 21 nas escolas de ensino médio e do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.

Para o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, falta uma política nacional articulada para a educação ambiental. Ele diz que não há relações entre os ministérios da Educação, do Meio Ambiente e das Cidades - sem falar na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pelo saneamento nos municípios de menor porte.

Mesmo em um estado com índices melhores de saneamento, como São Paulo, a falta de políticas públicas é evidente. A coordenadora de Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente mencionou as articulações com a Secretaria de Educação, a Secretaria de Planejamento, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação Seade) e o Departamento de Águas e Energia elétrica (DAEE). Mas admite: "Especificamente em saneamento não temos projeto com começo, meio e fim. Estamos em um período de reformulação".

Édison Carlos lembra que somente 43% da população é atendida por rede de esgoto no país. E somente 1% desse volume é tratado. Em áreas rurais, segundo Marcelo Néri, só 2,9% das pessoas têm acesso a tratamento de esgoto. "O brasileiro convive com esgoto a céu aberto de forma tranquila", afirma Carlos. "Nas eleições cobra mais postos de saúde em vez de cobrar a solução. Na cabeça deles não é prioridade, então não será para o prefeito."

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